quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Os sentidos

Certamente que a visão é um sentido importante para o corpo. Mas em tempos em que "o que parece" tem mais importância do que aquilo que"realmente é", a visão passou a ter mais importância do que talvez devesse ter. Tudo está na embalagem, no rótulo, no que parece. Na roupa, no carro, na maquiagem, na expressão. Evidência disto é a força que a publicidade tem e o quanto ela se dedenvolveu em meio à arte e exercício de "advogada do diabo". Muitas vezes desvia o olhar para outra situação que não aquela que implicará em possíveis perdas econômicas (imagem, mercado, etc.), chamando atenção de forma competente para o que realmente é desejado de ser visto, percebido, incorporado. O fato é que a visão hoje sobressai em relação aos outros sentidos.

Então imagine-se agora sem olfato. Agora sem tato. Sem paladar. Agora sem audição. Por fim, sem visão.

Será mesmo a visão o mais importante dos sentidos? Eu acho que não.

Quem enxerga de verdade é nosso cérebro e nenhum objeto visto é enxergado da mesma maneira por todos. Logo, os olhos apenas nos servem de janelas para a vida.

Eu prefiro a visão crítica à visão superficial e imediatista que predomina nos dias de hoje. E esta só o cérebro,e não apenas os olhos, é capaz de obter.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma poesia

A Piedade

Eu urrava nos poliedros da Justiça
meu momento abatido na extrema paliçada
Os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
As senhoras católicas são piedosas
Os comunistas são piedosos
Os comerciantes são piedosos
Só eu não sou piedoso
Se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
Eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
Eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
Iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
Eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
Eu não sou piedoso
Eu nunca poderei ser piedoso
Meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
Os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
Arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos

Sobre o autor: Roberto Piva

Formado em sociologia, Roberto Piva logo se destacaria como uma das vozes mais originais da poesia paulistana com a publicação de Paranóia, em 1963. Influenciado pela geração beat, Piva escreve sobre a cidade de São Paulo.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A origem, o meio e o fim

Um poema, que abarca em si a ideia de origem, fim e por que não dizer meio!

O sexo contém tudo,
corpos, almas, sentidos, provas,
purezas, delicadezas, resultados,
avisos, cantos, ordens,
o mistério materno,
o leite seminal.
Todas as esperanças, todos os benefícios,
todas as dádivas, paixões, amores,
encantos, gozos da terra,
todos os deuses, juízes, governos,
pessoas no mundo e seus seguidores.
Tudo está contido no sexo
como parte dele ou como sua razão de ser.


Sobre o autor: Walt Whitman foi um dos maiores poetas americanos. Enalteceu o regime dos Estados Unidos da América em sua obra, além de ter iniciado a emancipação da literatura do seus país do costume de imitar os europeus.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Despedida do TREMA

Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüentas anos.
Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!...
O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. Os dois pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé.
Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas?... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, "Kkk" pra cá, "www" pra lá.
Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas. E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!...
Nós nos veremos nos livros antigos. saio da língua para entrar na história.

Adeus,
Trema.

Uma voz

AMÉRICA LATINA


Guaicaipuro Cautemóc


"A verdadeira dívida externa." - fala do cacique Guaicaipuro Cautémoc numa reunião com chefes de estado da Comunidade Européia.


Eu, Guaicaipuro Cautémoc, descendente dos que povoaram a américa há 40 mil anos, vim aqui encontrar os que nos encontraram há apenas 500 anos.

O irmão advogado europeu me explica que aqui toda dívida deve ser paga, ainda que para isso se tenha que vender seres humanos ou países inteiros.

Pois bem! Eu também tenho dívidas a cobrar. Consta no arquivo das índias ocidentais que entre os anos de 1503 e 1660, chegaram à europa 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata vindos da minha terra!... Teria sido um saque? Não acredito. Seria pensar que os irmãos cristãos faltaram a seu sétimo mandamento.

Genocídio?... Não. Eu jamais pensaria que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue de seu irmão.

Espoliação?... Seria o mesmo que dizer que o capitalismo deslanchou graças à inundação da europa pelos metais preciosos arrancados de minha terra!

Vamos considerar que esse ouro e essa prata foram o primeiro de muitos empréstimos amigáveis que fizemos à europa. Achar que não foi isso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que me daria o direito de exigir a devolução dos metais e a cobrar indenização por danos e perdas.

Prefiro crer que nós, índios, fizemos um empréstimo a vocês, europeus.

Ao comemorar o quinto centenário desse empréstimo, nos perguntamos se vocês usaram racional e responsavelmente os fundos que lhes adiantamos.

Lamentamos dizer que não.

Vocês dilapidaram esse dinheiro em armadas invencíveis, terceiros reichs e outras formas de extermínio mútuo, e acabaram ocupados pelas tropas da OTAN.

Vocês foram incapazes de acabar com o capital e deixar de depender das matérias primas e da energia barata que arrancam do terceiro mundo.

Esse quadro deplorável corrobora a afirmação de Milton Friedmann, segundo o qual uma economia não pode depender de subsídios.

Por isso, meus senhores da europa, eu, Guaicaipuro Cautémoc, me sinto obrigado a cobrar o empréstimo que tão generosamente lhes concedemos há 500 anos.

E os juros.

É para seu próprio bem.

Não, não vamos cobrar de vocês as taxas de 20 a 30 por cento de juros que vocês impõem ao terceiro mundo.

Queremos apenas a devolução dos metais preciosos, mais 10 por cento sobre 500 anos.

Lamento dizer, mas a dívida européia para conosco, índios, pesa mais que o planeta terra!... E vejam que calculamos isso em ouro e prata. Não consideramos o sangue derramado de nossos ancestrais!

Sei que vocês não têm esse dinheiro, porque não souberam gerar riquezas com nosso generoso empréstimo.

Mas há sempre uma saída: entreguem-nos a europa inteira, como primeira prestação de sua dívida histórica.


Poesia apresentada no programa 96

Provocações - Antonio Abujamra – TVCultura

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Bola de cristal? Não! Sensibilidade!

Quando a tecnologia e o dinheiro tiverem conquistado o mundo; quando qualquer acontecimento em qualquer lugar e a qualquer tempo se tiver tornado acessível com rapidez; quando se puder assistir em tempo real a um atentado no ocidente e a um concerto sinfônico no oriente; quando tempo significar apenas rapidez online; quando o tempo, como história, houver desaparecido da existência de todos os povos, quando um esportista ou artista de mercado valer como grande homem de um povo; quando as cifras em milhões significarem triunfo, - então, justamente então – reviverão como fantasma as perguntas: para quê? Para onde? E agora? A decadência dos povos já terá ido tão longe, que quase não terão mais força de espírito para ver e avaliar a decadência simplesmente como... Decadência. Essa constatação nada tem a ver com pessimismo cultural, nem tampouco, com otimismo... O obscurecimento do mundo, a destruição da terra, a massificação do homem, a suspeita odiosa contra tudo que é criador e livre, já atingiu tais dimensões, que categorias tão pueris, como pessimismo e otimismo, já haverão de ter se tornado ridículas.

Martin Heidegger

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Luto.

Crianças inocentes morrem de forma banal por culpa das mazelas provocadas por uma sociedade de indivíduos adultos egoístas e covardes, ou seja, doentes. Viver no Brasil a todo momento em meio a piadas e sorrindo é ignorar o sofrimento de milhares de outros brasileiros, que através do próprio riso escapa à realidade cruel e dolorosa, mas mantém a si próprio alienado e desinteressado da busca pela própria melhoria que não seja apenas aquela econômica. Hoje minha visão altruísta e não egoísta não me deixa sorrir. Luto.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Modéstia hipócrita

"Quem fez da modéstia uma virtude esperava que todos passassem a falar de si próprios como se fossem idiotas. O que é a modéstia senão uma humildade hipócrita, através da qual um homem pede perdão por ter as qualidades e os méritos que os outros não têm?"

Arthur Schopenhauer

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Assim caminhamos

Depois de passar alguns dias longe de aparelhos e atividades ligadas a estes nesta já chamada era Pós-Moderna, me pergunto como seria a vida de muitos por aí que pouco olham pra você quando almoçam ou jantam tal a necessidade de ver e-mail, "twitar", estar online, etc. O que seria dos gamers sem energia elétrica? Dos Hackers? De quem só sabe ganhar a vida a partir de softwares de computador? Ou seja, como seria a vida daqueles que são extremamente dependentes de energia elétrica?

Todos, hoje, inseridos de alguma forma na sociedade pós-moderna são em diferentes níveis dependentes da energia elétrica, claro. Uns mais, outros menos.

Tudo isso apenas para colocar um pensamento: a teoria de Darwin da Seleção Natural ainda vale?

Dialeticamente, sim e não.

Principalmente nas grande metrópoles, consequentemente onde há grande concentração de indivíduos, a vida "natural" não existe mais. Logo a seleção natural também não. Por outro lado, podemos dizer que a seleção natural apenas se adaptou aos novos tempos e comportamentos, pois ela tem por base a questão da sobrevivência do indivíduo frente a outros, em uma perspectiva de competição, de vitória, de viver ou morrer. Portanto, dada a competição entre indivíduos em grandes cidades – seja por trabalho, por uma vaga na universidade, no hospital, à frente de empresas em uma concorrência qualquer pelo fechamento de contratos, etc. – a seleção se faz presente, talvez não de uma forma natural, mas de forma clara sim.

Se hoje tenho, algum outro não tem; se hoje sou, algum outro não é; se hoje trabalho, algum outro não trabalha; e assim por diante.

Seguimos, ainda, por vias da Seleção Natural?