sexta-feira, 29 de abril de 2011

Despedida do TREMA

Estou indo embora. Não há mais lugar para mim. Eu sou o trema. Você pode nunca ter reparado em mim, mas eu estava sempre ali, na Anhangüera, nos aqüíferos, nas lingüiças e seus trocadilhos por mais de quatrocentos e cinqüentas anos.
Mas os tempos mudaram. Inventaram uma tal de reforma ortográfica e eu simplesmente tô fora. Fui expulso pra sempre do dicionário. Seus ingratos! Isso é uma delinqüência de lingüistas grandiloqüentes!...
O resto dos pontos e o alfabeto não me deram o menor apoio... A letra U se disse aliviada porque vou finalmente sair de cima dela. Os dois pontos disse que eu sou um preguiçoso que trabalha deitado enquanto ele fica em pé.
Até o cedilha foi a favor da minha expulsão, aquele C cagão que fica se passando por S e nunca tem coragem de iniciar uma palavra. E também tem aquele obeso do O e o anoréxico do I. Desesperado, tentei chamar o ponto final pra trabalharmos juntos, fazendo um bico de reticências, mas ele negou, sempre encerrando logo todas as discussões. Será que se deixar um topete moicano posso me passar por aspas?... A verdade é que estou fora de moda. Quem está na moda são os estrangeiros, é o K e o W, "Kkk" pra cá, "www" pra lá.
Até o jogo da velha, que ninguém nunca ligou, virou celebridade nesse tal de Twitter, que aliás, deveria se chamar TÜITER. Chega de argüição, mas estejam certos, seus moderninhos: haverá conseqüências! Chega de piadinhas dizendo que estou "tremendo" de medo. Tudo bem, vou-me embora da língua portuguesa. Foi bom enquanto durou. Vou para o alemão, lá eles adoram os tremas. E um dia vocês sentirão saudades. E não vão agüentar!...
Nós nos veremos nos livros antigos. saio da língua para entrar na história.

Adeus,
Trema.

Uma voz

AMÉRICA LATINA


Guaicaipuro Cautemóc


"A verdadeira dívida externa." - fala do cacique Guaicaipuro Cautémoc numa reunião com chefes de estado da Comunidade Européia.


Eu, Guaicaipuro Cautémoc, descendente dos que povoaram a américa há 40 mil anos, vim aqui encontrar os que nos encontraram há apenas 500 anos.

O irmão advogado europeu me explica que aqui toda dívida deve ser paga, ainda que para isso se tenha que vender seres humanos ou países inteiros.

Pois bem! Eu também tenho dívidas a cobrar. Consta no arquivo das índias ocidentais que entre os anos de 1503 e 1660, chegaram à europa 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata vindos da minha terra!... Teria sido um saque? Não acredito. Seria pensar que os irmãos cristãos faltaram a seu sétimo mandamento.

Genocídio?... Não. Eu jamais pensaria que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue de seu irmão.

Espoliação?... Seria o mesmo que dizer que o capitalismo deslanchou graças à inundação da europa pelos metais preciosos arrancados de minha terra!

Vamos considerar que esse ouro e essa prata foram o primeiro de muitos empréstimos amigáveis que fizemos à europa. Achar que não foi isso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que me daria o direito de exigir a devolução dos metais e a cobrar indenização por danos e perdas.

Prefiro crer que nós, índios, fizemos um empréstimo a vocês, europeus.

Ao comemorar o quinto centenário desse empréstimo, nos perguntamos se vocês usaram racional e responsavelmente os fundos que lhes adiantamos.

Lamentamos dizer que não.

Vocês dilapidaram esse dinheiro em armadas invencíveis, terceiros reichs e outras formas de extermínio mútuo, e acabaram ocupados pelas tropas da OTAN.

Vocês foram incapazes de acabar com o capital e deixar de depender das matérias primas e da energia barata que arrancam do terceiro mundo.

Esse quadro deplorável corrobora a afirmação de Milton Friedmann, segundo o qual uma economia não pode depender de subsídios.

Por isso, meus senhores da europa, eu, Guaicaipuro Cautémoc, me sinto obrigado a cobrar o empréstimo que tão generosamente lhes concedemos há 500 anos.

E os juros.

É para seu próprio bem.

Não, não vamos cobrar de vocês as taxas de 20 a 30 por cento de juros que vocês impõem ao terceiro mundo.

Queremos apenas a devolução dos metais preciosos, mais 10 por cento sobre 500 anos.

Lamento dizer, mas a dívida européia para conosco, índios, pesa mais que o planeta terra!... E vejam que calculamos isso em ouro e prata. Não consideramos o sangue derramado de nossos ancestrais!

Sei que vocês não têm esse dinheiro, porque não souberam gerar riquezas com nosso generoso empréstimo.

Mas há sempre uma saída: entreguem-nos a europa inteira, como primeira prestação de sua dívida histórica.


Poesia apresentada no programa 96

Provocações - Antonio Abujamra – TVCultura

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Bola de cristal? Não! Sensibilidade!

Quando a tecnologia e o dinheiro tiverem conquistado o mundo; quando qualquer acontecimento em qualquer lugar e a qualquer tempo se tiver tornado acessível com rapidez; quando se puder assistir em tempo real a um atentado no ocidente e a um concerto sinfônico no oriente; quando tempo significar apenas rapidez online; quando o tempo, como história, houver desaparecido da existência de todos os povos, quando um esportista ou artista de mercado valer como grande homem de um povo; quando as cifras em milhões significarem triunfo, - então, justamente então – reviverão como fantasma as perguntas: para quê? Para onde? E agora? A decadência dos povos já terá ido tão longe, que quase não terão mais força de espírito para ver e avaliar a decadência simplesmente como... Decadência. Essa constatação nada tem a ver com pessimismo cultural, nem tampouco, com otimismo... O obscurecimento do mundo, a destruição da terra, a massificação do homem, a suspeita odiosa contra tudo que é criador e livre, já atingiu tais dimensões, que categorias tão pueris, como pessimismo e otimismo, já haverão de ter se tornado ridículas.

Martin Heidegger

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Luto.

Crianças inocentes morrem de forma banal por culpa das mazelas provocadas por uma sociedade de indivíduos adultos egoístas e covardes, ou seja, doentes. Viver no Brasil a todo momento em meio a piadas e sorrindo é ignorar o sofrimento de milhares de outros brasileiros, que através do próprio riso escapa à realidade cruel e dolorosa, mas mantém a si próprio alienado e desinteressado da busca pela própria melhoria que não seja apenas aquela econômica. Hoje minha visão altruísta e não egoísta não me deixa sorrir. Luto.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Modéstia hipócrita

"Quem fez da modéstia uma virtude esperava que todos passassem a falar de si próprios como se fossem idiotas. O que é a modéstia senão uma humildade hipócrita, através da qual um homem pede perdão por ter as qualidades e os méritos que os outros não têm?"

Arthur Schopenhauer