quinta-feira, 30 de junho de 2011

Uma poesia

A Piedade

Eu urrava nos poliedros da Justiça
meu momento abatido na extrema paliçada
Os professores falavam da vontade de dominar e da
luta pela vida
As senhoras católicas são piedosas
Os comunistas são piedosos
Os comerciantes são piedosos
Só eu não sou piedoso
Se eu fosse piedoso meu sexo seria dócil e só se ergueria
aos sábados à noite
Eu seria um bom filho meus colegas me chamariam
cu-de-ferro e me fariam perguntas: por que navio
bóia? por que prego afunda?
Eu deixaria proliferar uma úlcera e admiraria as
estátuas de fortes dentaduras
Iria a bailes onde eu não poderia levar meus amigos
pederastas ou barbudos
Eu me universalizaria no senso comum e eles diriam
que tenho todas as virtudes
Eu não sou piedoso
Eu nunca poderei ser piedoso
Meus olhos retinem e tingem-se de verde
Os arranha-céus de carniça se decompõem nos
pavimentos
Os adolescentes nas escolas bufam como cadelas
asfixiadas
Arcanjos de enxofre bombardeiam o horizonte através
dos meus sonhos

Sobre o autor: Roberto Piva

Formado em sociologia, Roberto Piva logo se destacaria como uma das vozes mais originais da poesia paulistana com a publicação de Paranóia, em 1963. Influenciado pela geração beat, Piva escreve sobre a cidade de São Paulo.

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