quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Carta aberta aos amigos em Lyon, França.

É, Jardel. Não é fácil não. E eu que tive de trabalhar na sexta, meu sábado deu errado e nem pude ir pro Biffe!!! Fazer o que. A vida é assim, de fases. Lembro de um dia eu estar dentro da Faculdade de Direito de Coimbra ao lado da Ana preparando aula de italiano e filando a internet do campus da Universidade. Naquele ano, 2006, estava sendo jogada a Liga USP e de repente a FFLCH foi parar na final contra a Odonto. Ahhhh... que angústia, uma final e nem por perto eu poderia estar. Naquela época, ao menos, muito mais gente se empenhava na comunicação pelo e-mail, seja para botar pilha, reclamar, cornetar etc. Hoje esse grupo tá quase morto, sempre os mesmos escrevendo, cornetanto, reclamando etc. Bom, mas então, sem internet em casa, fomos eu e Ana pra Universidade e logo fui ao e-mail pra ver o resultado da final. Que beleza, FFLCH campeã! Saí correndo pelo pátio da faculdade numa empolgação só. Era a saudade e vontade de estar junto.

Viver fora do País é complicado. Temos que gastar em euro quando se ganhou em real. Não há casa do amigo pra dar uma escapada. Não há futebas com os amigos, cerva no bar de costume com os amigos, a simples conversa na sua língua-pátria na mesa ao lado, dando a sensação de estar em "casa", de fazer parte daquilo tudo. Em Portugal, por causa do preconceito deles sim, muitas vezes não tinha nem vontade de falar para não ver olhares tortos em minha direção e à Ana Paula, que só depois de 4 meses de aula teve contato com uma ou outra portuguesa, pois "provou" para elas que não era mais uma brasileira prostituta atrás de um marido europeu. Quanta coisa tivemos de aguentar calados, sem poder descarregar. E isso muda a gente, para sempre, e jamais vou "perdoar" o que aquele país, povo, mentalidade e costumes fizeram à Ana Paula, tenho certeza de que se hoje não estamos mais juntos, é mais uma conseqüência daquela vida-transformadora em passagem por terras européias. Com mais ou menos intensidade, nos tornamos diferentes daquilo que fomos um dia. Mas a vida é assim. Tudo tem conseqüências.

É muita informação e coisa nova ao mesmo tempo para absorver. É muita burocracia pra resolver. Vocês ainda foram mais estruturados, já com moradia, curso e tudo mais. Agora imagine estar na Itália e descobrir que em duas semanas o amor da sua vida, até então, tem que estar em Coimbra para começar a estudar, sem saber sequer onde vai dormir, comer, como chegar e como sair. E depois correr atrás de toda documentação para retirada de visto de estudante para não correr o risco de ser chutado da Europa, nossa... quanta correria e papelada. Mas a gente cresce com isso, é na dificuldade que se aprende muito.

O desespero dos domingos era tão grande que implorei para minha mãe enviar via correio meu skate para poder me distrair um pouco. Tem hora que leitura, música, tv etc. não dão conta. Quantas vezes íamos em meio a um baita frio até a Associação Académica da universidade para ficar ouvindo pelo notebook a Jovem Pan online, escutando "brasileiro" e não português. Entendi por que em países como Noruega, tão organizados e com tudo funcionando, o índice de suicídio é elevado, tem hora que não dá pra segurar a onda da rotina.

Mas é isso. A gente cresce e aprende. E acredite, vai servir pro resto da vida para muitas situações. Então o negócio é absorver tudo que se pode, depois veja o que serve e o que não serve, recicle e aplique no dia-a-dia da vida.

E olha, de repente tá na hora de voltar. Aproveite a civilidade, educação e cidadania, porque depois sentirão falta, aqui tá cada vez mais lei do cão.

Por fim, joguem fora algumas "âncoras" que nos "prendem" ao que já passou. Há muito pela frente. A vida de cada um vai seguindo, tomando rumos diferentes, isso é normal. Não faremos parte para sempre da Instituição FFLCH-USP, mas com certeza ela fará parte de cada um de nós. Fico triste quando não encontro mais o Mário, o Vamp, o Patolino, Rapadura, Miltinho, o Hélio, entre outros, mas fico feliz de ainda encontrar o Charles, o Brunão, o Luis, entre outros tantos mais. Sinto com essa rapaziada que seremos amigos de carregar o caixão de quem for primeiro, que deixará um vácuo muito grande no peito quando partir. Todos nós vamos um dia, só não sabemos a ordem que isso vai acontecer. Fizemos juntos história na AAAOA. Mas a instituição vai se modificando, sendo preenchida por outros elementos. E quem sabe até poderemos cair no esquecimento. Mas para nós, cada uma sabe o que essa geração de guerreiros fez por ela, e por nós mesmo. Mas é uma fase. Nosso grupo feito foi diferente, tinha algo especial. Não que sejamos melhores ou piores do que os outros, mas relamente havia uma coisa a mais, diferente, verdadeira, de família, de co-irmão. E um time para ser campeão precisa disso, de algo especial, de algo a mais, não basta só técnica, jogadas e preparo físico. Tem que ter um algo a mais. E na nossa época, faltava tanto treino, preparo físico, técnica e jogadas que esse algo a mais era tão grande que conseguimos um primeiro título em cima da EEFE. Não era um grupo comum, a diversidade era grande, mas o objetivo era o mesmo. E vencemos.

Mas um dia, a vida adulta bate à porta. E isso não é desculpa para que não estejamos juntos. Amizades são contruídas e devem ser cultivadas para sempre. Mas tudo é uma questão de escolha. Tem gente que prefere grana, outros poder, outros algum tipo de distração, outros fuga de alguma coisa ou de alguém, eu particularmente escolhi as amizades, escolho meus amigos, quero freqüentar a casa deles, as famílias deles, brincar com os filhos deles, e que todos eles façam parte constante da minha vida, seja onde for, no bar, em casa, no campo...

Acho até que eu nem deveria mais fazer parte desse grupo de email. Não posso mais jogar, de vez em quando posso treinar, mas ainda tenho amigos jogando no time, e torço por eles, como pela Instituição. Mas acho que tá na hora de deixar a galera seguir, sem me meter muito. Cada ano vem mais gente nova, e os amigos vão saindo do time. Vai ficando cada vez mais fora da minha vida a vida acadêmica-atleticana-fflchiana. Nem mais laranja o time é!

Mas... sempre que for solicitado, na medida do possível, estarei aí pra debater, contar histórias, dizer o que funcionou e o que deu errado, e por aí vai. Por enquanto, acho que o grupo tem gente suficiente para saber dos rumos, métodos e objetivos do time de futebol da FFLCH-USP. Que fique claro!!! Não se trata de um time particular de ninguém. É a FFLCH-USP que entra em campo contra outras unidades. Isso tem que ficar claro. Não se pode ter em mente que se trata de um time para bater uma bola de fim de semana. Não!!! Pra isso tem o time de próximo, o treino do CEPE, o areião... Sem comprometimento, não rola!

Portanto, amigo Jardel e Alex, nossa missão foi cumprida. Tá na hora de passar mesmo o bastão, e não temos o direito de cobrar nada de ninguém que tá aí agora. Mas de expressar o que pensamos? ahhhhh... nada vai nos tirar esse direito! E a galera que tá chegando tem que saber o que aconteceu para poder entender o que é FFLCH-USP e o que fazer com ela. Tem que ouvir sim que perder para o IME acontece, mas não deveria acontecer. Que perder para a BIO é foda. Faz parte do futebol. Mas a responsabilidade é total de quem está lá. Eu sei o que fiz e quem me ajudou. Eu sei quem esteve do lado e teve comprometimento, seja da maneira que for, cada um é diferente do outro, não dá pra sermos todos iguais como robôs, a diversidade complica, mas enriquece. Eu vou levar para sempre minhas lembranças de comprometimento, de treino, das escolhas de não fazer balada porque no dia seguinte tinha que fechar o gol. Vou levar para sempre as noites de ansiedade antes de jogos importantes, as dores das falhas, derrotas e as musculares de treinamento duro. Vou levar para sempre a sensação de dever cumprido a cada defesa que fazia, de cada título conseguido (e aqui conto o vice dos Jogos Mix, nós ganhamos aquilo!). É, eu vi o que era o time de 1999 e vi o processo de transformação até 2005, ano glorioso, da colheita das sementes plantadas e cultivadas.

Mas o tempo passa, pessoas vão e vêm e o time está aí, de uma forma ou de outra, está aí. Agora o que cada um vai querer ter como memória para o resto da vida é uma questão de escolha particular. Eu fiz as minhas, e tenho orgulho das minhas escolhas.

Eu "veni, vidi, vinci". Para sempre vou levar a minha vida acadêmica e todos os ensinamentos comigo. E melhor, aplico-os no meu dia-a-dia, de nada adianta o conhecimento se apenas guardado dentro de um livro, ou lá num canto da mente. A prática é fundamental.

Agora o que cada um quer levar da vida acadêmica?
Ensinamentos? Baladas? Mulheres? Um simples diploma? Uma profissão? Conquistas com o time da faculdade?
Por que não tudo isso!!! Basta dedicação!

Agora se nada disso faz muito sentido, é... que faaaaaaassseee desse pessoal que vem por aí. Fico triste, mas não posso exigir dos outros aquilo que eu aprendi a dar valor e a ter como referência a partir das experiências da vida. Para mim nada foi fácil e cada conquista tem um grande valor.

Saudades, Jardel, saudades Alex! O futebol é uma paródia sócio-comportamental. Nós sabemos dentro e fora de campo o que é ganhar ou perder uma simples dividida. Tem coisas que não precisam ser ditas, basta um olhar, uma vibração, uma lágrima ou um sorriso.

Até a volta,

Helder.

4 comentários:

Anônimo disse...

Helder

Não por acaso, em minha passagem pelo time de futebol de campo da FFLCH, você foi o cara com quem minhas idéias mais bateram. Você conseguiu traduzir perfeitamente a minha sensação, e o meu pensamento referente a tudo o que se passou...
E passou, não tem como voltar atrás, ou parar o tempo...
Bacana essa divisão de experiências, essa demonstração de maturidade como ser humano correto (não em questão de certo ou errado, mas de coerência nas ações)...
No que depender de mim, minha casa estará sempre aberta a amigos como você, e terei o maior prazer de carregar o caixão ou ter minha urna de cinzas carregada...
Grande Abraço do Juds

Anônimo disse...

Belo texto!!!

Anônimo disse...

Helder , vc escreveu o que venho sentindo faz tempo.
Saudades de ti camarada !
Alex

Anônimo disse...

Eu ia começar o comentario dizendo o quando eu fiquei emocionado com as palavras do Helder, mas pra manter o estilo Jardel tenho que dizer que a frase do Judeu "terei o maior prazer de carregar o caixão " é estranhissima e engraçada mas em se tratando de Judeu é maravilhosa e acima de tudo verdadeira... guarda um alça pra mim JUds...

Helder vc sabe... ja traduziu exatamente como a gente se sente aqui... e sinto-me orgulhoso e honrado por ser amigo de vcs... mas quanto a conhcer os filhos, eu como o unico penso que ja pode falar por experiencia propria, acho melhor nao... a alça tudo bem

Amo vcs saudades Helder

Jardel