quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Alguma esperança, e continuo humanizado


São Paulo, 9 de outubro de 2012, Vila Olímpia, São Paulo, por volta das 13h.

Saí do trabalho para almoçar, mas desta vez, ainda sufocado pelos dias anteriores em que fui almoçar no Shopping, dado o calor na rua e a proximidade deste com o local onde venho trabalhando, decidi andar pelas ruas vizinhas a fim de encontrar algum restaurante do tipo self-service. Depois de andar um pouco, entre tantos vistos, acabei fazendo minha refeição com o custo de menos de 13 reais. Sou do tipo que come pouco, então me servir num self-service acaba sendo a melhor alternativa ao à la carte de praça de alimentação de shopping, que, em média, não sai por menos de uns 18 reais e ainda traz mais comida do que se come, normalmente, pois o que mais vejo é comida sendo jogada fora nas bandejas pela maioria das pessoas que dia a dia comem em shopping, confirmando assim que o sistema de alimentação tem muitos erros que acabam por elevar os custos e ao mesmo tempo desperdiçar bastante comida.

Então depois de comer, tentando me refrescar com um sorvete na mão, em frente ao estabelecimento ainda, tive a visão de um cara, negro, esguio, aparentando mais ou menos uns 20 anos, no máximo. Em uma das mãos, o caixote de egraxate, como há tempo não via. Na outra, a mão de uma criança, com cerca de 4 anos. Era a sua filha, pois assim ele a chamava.

Estavam, na medida do possível, bem vestidos e limpos. A menina com semblante tranquilo, olhando tudo e todos ao seu redor, mesmo com o forte calor. O pai ia abordando cada um que ali passava, apenas aqueles de sapatos, na tentativa de exercer o seu trabalho e assim, mesmo que parecendo meio fora de moda, ganhar a vida trabalhando, oferecendo um serviço em troca de algum trocado, e não mendigando como um coitado aos que por eles passavam.

E pensei "puxa vida, essa era a hora pra eu estar usando sapatos", e torcia para que algum cavalheiro que ali passava deixasse a pressa e a necessidade de subir na carreira só um pouquinho de lado para ali lustrar seus sapatos, e com certeza por um bom preço, acredito.

Mas ninguém quis olhar pra baixo e ver o reflexo de algum brilho que poderia surgir tanto nos sapatos como na alma de um qualquer bem calçado, naquele de chinelos e naquela menininha de pequenas e desgastadas sandálias infantis.

Estava quente, e ambos perambulavam pelo quarteirão, ora indo, ora vindo. E nada do brilho surgir, mesmo com um sol pra cada um ali.

Ao meu lado havia um pequeno mercado. Tinha que comprar algo pra não passar a tarde inteira sem nada no estômago. Então resolvi entrar e comprar, além daquilo que queria para mim, uma garrafa de suco. Já que eu não calçava sapatos poderia então, como um estímulo à procura do ganha-pão, oferecer uma caixa de suco bem gelada àquele que procurava por algum trabalho a fazer, mesmo debaixo de um sol forte e com sua filha ao lado o acompanhando. 

O cara do caixa então me viu entrar, abrir a geladeira, pegar uma caixa de suco de uva — sei lá por que de uva, talvez por eu gostar de suco de uva gelado — sinalizar a ele o que estava pegando e então mais que depressa fui até a rua em busca do pai engraxate e sua filha para entregar a eles aquela bebida gelada. E assim o fiz.

O sujeito aceitou, agradeceu e antes que eu desse meia volta e voltasse ao mercadinho ele me disse "moço, poderia ser de outro sabor?". Então, acostumado a viver em meio a tanta malandragem e ingratidão ao meu redor, já ia pensando "poxa, tô dando uma caixa de suco pro cara e ele ainda quer escolher o sabor!". Pensamento baseado nos meus próprios pré, anteriores, conceitos. Mas antes mesmo que chegasse ao fim desse pensamento, como aqui aconteceu em forma escrita, o sujeito já complementou: "é que o de maracujá ajuda a acalmar a menina".

Plaft!

Um tapa no meu pré, anterior, conceito! De imediato me senti mal por ter começado a julgar mal o cara, e imediatamente voltei à geladeira, troquei o suco de uva pelo muito bem e simplesmente justificado suco de maracujá e o entreguei ao rapaz. Ele se voltou para baixo e disse à filha: "olha só, filha, ganhamos do moço uma caixa de suco!". Foi quando então vi aquele brilho de sapatos lustrados nos olhos da menina, que imediatamente se refletiram em meus olhos e que de tanto brilho se espalharam pela região, embora a grande maioria que passava ali, preocupada com seus próprios brilhos apenas, sequer perceberam a luz que daquela menina surgia ao ver aquela caixa de suco, apenas um suco.

Poderia me gabar e pensar que fui sou um ótimo cara por poder oferecer tão singela caixa de suco, mas não. Então normalmente voltei ao caixa do mercado para pagar e seguir meu caminho apenas. Mas foi daí que a esperança ainda por uma cidade e pessoas melhores tomou conta de mim. O cara do caixa, provavelmente o dono, ao telefone, fez as contas e disse que cobraria apenas a metade do valor da caixa de suco, pois tinha visto toda cena, e que de alguma forma, provavelmente, fora também atingido por aquele brilho dos olhos da menina.

Mal pude agradecer o cara do caixa, pois estava ao telefone, e não queria atrapalhá-lo. Mesmo assim nosso olhares se cruzaram em forma de cooperação, com um certo espírito de que todos podem e devem fazer alguma coisa, por mais singela que ela possa parecer, porque não se sabe o quão grande, bela e importante tão singela atitude pode vir a se tornar.

E então a esperança tomou conta de mim, os olhos marejaram, um sorriso se fixou em minha face e minha alma se encheu de felicidade. Não há sensação melhor do que aquela de, mesmo que seja por um breve instante, fazer a diferença para alguém.

Ganhei o dia.


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